DREAMS AND ILUSIONS
Eu imaginava que por dentro a casa estaria ruim, mas não daquela maneira. Aquele lugar era totalmente inabitável. As paredes com rachaduras, infiltrações, buracos no chão, os móveis e objetos de madeira destruídos por cupins. Além de ratos e baratas que passeavam por ali. Subi para o segundo andar mesmo com tudo caindo aos pedaços. Precisava descobrir se quem estava morando ali era a garota misteriosa. Olhei em quatro dos cinco quartos que haviam no segundo andar. Dois estavam completamente vazios, no terceiro somente uma cama e um criado mudo e no quarto uma cômoda que aparentava ser o móvel em melhor estado ali, mas assim como os outros estava vazio. A porta do quinto quarto era diferente das outras: maior e mais pesada, cor mais clara e uma mensagem escrita em uma língua desconhecida por mim. Por ser mais pesada tive dificuldade em abri-la. Não havia nada lá, olhei pela janela e dei um grito ao ver uma pessoa parada atrás de mim no reflexo do vidro.
Podia ser coincidência o que aconteceu em seguida, certamente era coisa da minha cabeça. Uma onda de calor invadiu meu corpo como na noite passada. Fiquei paralisada, olhei para trás e nada. Desci as escadas correndo e foi aí que percebi que aquelas escadas não eram da casa abandonada. Olhei em volta e eu estava em minha casa. O que? Como vim parar aqui? Naquele momento eu percebi duas coisas que me deixaram confusa: estava de noite e a Dinah não estava lá comigo. Olhei para o relógio que fica ao lado da porta e os ponteiros marcavam 22:42. Não conseguia mover as pernas e fiquei ali. Parada. Minha atenção voltada para o relógio que não se movia. Me lembro da minha mãe ter falado que estava sem pilha.
Depois de muito tempo, ouvi batidas na porta. Em questão de segundos minhas pernas se moveram novamente e desci em passos largos, porém silenciosos. Respirei fundo e me arrepiei. Perguntei quem era e uma voz doce respondeu.
- Olá, meu nome é Lauren... Jauregui! Sou sua nova vizinha.
Eu tinha duas opções: abrir a porta e encara-la ou ignorar e subir. Pela primeira vez em 20 anos, eu escolhi enfrentar alguma coisa. Respirei fundo mais uma vez, agora por mais tempo, e abri a porta devagar. Minhas mãos suavam como nunca e eu estava gelada. Olhei para frente com medo do que iria encontrar.
- Desculpe incomodar, mas ouvi barulhos vindos daqui e fiquei me perguntando se estava tudo bem.
Ela estava tão perto e sua voz tão distante. Não sei o que estava havendo comigo, não conseguia parar de olhar para aquela garota e nem de reparar nos detalhes. Os cabelos presos em um coque frouxo e visivelmente úmido, boca rosa na qual passava a língua a todo minuto, pele pálida como neve e olhos verdes que iluminavam aquela rua escura. Vestia um sobretudo preto com um cachecol vermelho e uma calça jeans. Simplesmente maravilhosa. O mundo a minha volta parecia ter desaparecido e só ela estava em meu campo de visão. Lentamente em segundos consegui ver cada detalhe e cada traço. Nenhum defeito. Era a perfeição.
- Você está bem?
Ao ouvir aquilo me dei conta do que estava acontecendo. Balancei a cabeça, apertei os olhos tentando afastar meus pensamentos e gaguejei ao responder.
- S-sim! Desculpe! - ajeitei a postura enchendo o peito de ar - Está tudo bem, foi só um pequeno acidente. - sorri de canto -
Eu estava com medo, mas quando olhei para ela foi como se essa fosse minha última preocupação e eu não tivesse mais o controle do meu corpo. "Talvez tenha sido só um sonho" pensei comigo antes de convida-la para entrar.
- Está frio aí fora, entre. - fiz sinal com a cabeça para que entrasse e assim o fez -
- Obrigada! Você mora aqui faz muito tempo? - perguntou olhando em volta -
- Desde que nasci. - torci a boca por estar nervosa -
- Oh! Então faz tempo. - deu um sorriso fraco - Me mudei para cá ontem e não conhecia ninguém... - parou por uns segundos olhando para o teto e riu - Até agora!
Ri junto quando ela disse aquilo e fiquei pensando se ela era a mesma garota que eu via. Não queria deixar a conversa desagradável então resolvi perguntar depois de uma maneira mais sutil. Enquanto isso não acontecia descobri que Lauren tinha 19 anos, morava em Calgary, no Canada e amava hóquei. Veio para Nova Iorque tentar conseguir um emprego e ser independente. Nada de diferente, apenas uma garota normal e bonita. Sem perceber já estávamos conversando há horas ali então resolvi que era hora de perguntar.
- Lauren... - dei uma pausa para engolir o que estava comendo - Você já veio aqui antes?
- Uma vez, para ver a casa. Por que? - perguntou em um tom diferente - Você me viu?
- Acho que sim... - dei outra pausa, mas desta vez para engolir o seco - Desculpe falar, mas a casa que você mora não é inapropriada? - perguntei meio sem jeito -
- Hm? - me olhou sem entender - Por que a pergunta? Minha casa está ótima! - se levantou -
- Desculpe, não foi minha intenção te deixar nervosa. - disse me levantando e tocando seu ombro -
Seria apenas mais uma conversa casual e um toque natural se logo depois ela não tivesse desaparecido como fumaça, bem na minha frente. Ouvi um barulho e a porta estava aberta sendo empurrada pelo vento. Olhei para o sofá e estava o cachecol vermelho de Lauren. Fechei os olhos com toda força que podia tentando me acalmar e não surtar pelos acontecimentos. Ouvi outro barulho. Abri os olhos e com a visão turva vi alguém parado colocando uma bolsa na mesinha de centro. Era apenas minha mãe chegando do trabalho. Respirei aliviada e com um choro preso na garganta abracei-a. Como sempre se preocupou comigo por estar aflita. Tentei acalma-la ao máximo e disse que estava tudo bem. Ela sempre chegava muito tarde do trabalho e depois de olhar o celular, descobri que já eram quase 02:00 da manhã.
Domingo, 25 de abril. 04:12
Me sentei na cama segurando o cachecol. Depois de um dia horrível como aquele só queria dormir e acordar bem. Foi difícil pregar os olhos, fiquei pensando no que aconteceu e acabei dormindo de cansaço.
Naquela madrugada eu havia acordado mais de cinco vezes, na sexta me levantei para beber água e já estava claro lá fora. Ótimo. Desci as escadas e um flashback passou em minha cabeça, olhei para o relógio e ele estava... funcionando. Peguei um copo d'água e dei um gole. Aquilo desceu rasgando minha garganta como se tivesse engolido lâminas.
Desde pequena, sempre que sofro emoções fortes acabo ficando doente. Dor de garganta, febre e desânimo são coisas tão comuns pra mim quanto piscar os olhos. Não podia de jeito algum ficar doente já que meu trabalho começaria no dia seguinte, então tomei alguns comprimidos e fui para o quarto ler.
Enquanto lia um de meus livros favoritos, um dos primeiros trechos que sempre passou despercebido me chamou atenção:
"Tu deverias acordar deste pesadelo em que se encontra. Olhe para a luz que bate à sua porta e deixe-a entrar. Não se pode viver sofrendo para sempre."
Depois de ler aquilo, olhei para cama e o cachecol ainda estava lá. Pensei uma, duas, três vezes até levantar e pega-lo para devolve-lo à ela. Encontra-la poderia dar errado como na primeira vez, mas pagaria o preço só para vê-la novamente.